terça-feira, 23 de abril de 2013

O Livro que desvendou os Blogs


                                                 Vlog: Como fazer um blog de sucesso


O post deste blog vai falar sobre um livro que explica o mundo dos blogs, escrito por alguém que tem um blog. É muito blog para uma frase só. Mas o assunto em si não tem fim. Aliás, nenhum assunto precisa ter fim. Essa é uma das grandes vantagens da internet que Arianna Huffington destaca no livro em questão, o  The Huffington Post complete guide to blogging.  

A internet dispõe de um espaço infinito para tratar de qualquer coisa, e no caso de um blog de notícias, do que a  mídia tradicional mal consegue espremer na primeira página.  Qualquer assunto é O assunto. Mídia Alternativa Arianna Huffington é a criadora do blog The Huffington Post, um dos mais importantes e acessados blogs de notícia dos Estados Unidos. O blog surgiu em 2005, e segundo ela o primeiro indício do seu nascimento foi quando o presidente George Bush, com diversos crises no governo e na sua imagem pessoal, conseguiu se reeleger, no final de 2004. No livro, ela comenta que, assim como outros progressistas, "se perguntou, depois das eleições de 2004, o que diabos tinha acontecido".

 No livro ela reflete sobre o papel da mídia tradicional e como a internet veio para mudar isso. ''O problema não é que as histórias importantes não estão sendo cobertas pela mídia tradicional. O problema é o modo obsessivo que elas são cobertas", reflete Arianna. Acaba que o problema é notado e noticiado, e depois rapidamente esquecido, porque algo novo surge. E é com os blogs que as coisas começam a mudar. "Quando um blogueiro decide que alguma coisa importa, eles não largam o osso", afirma ela. Além dos blogueiros terem um espaço maior para falar,  a maioria dos blogs são voltados para um assunto específico, normalmente que envolvem o cotidiano do escritor. 

Taí o mercado de nicho, explicado pelo Chris Anderson, autor de A cauda Longa. Mas o nicho não é somente algo específico a se falar, nos blogs, o nicho  é aquilo no qual você está absorto e precisa compartilhar seus conhecimentos ou opiniões. Para Arianna, blogueiros são dotados de "paixão". Se você fala sobre algo que te atinge diretamente, que é importante para você, provavelmente vai falar com mais propriedade, ser mais enfático e mobilizar mais pessoas. Outra consideração importante sobre os blogs é a interatividade. "O que faz os blogs tão revolucionários é a conversa multidirecional" , indica a blogueira. O espaço para comentários, o rápido -quase instantâneo- feedback faz com que se desenvolva um grupo de discussão, e uma comunidade focada naquele assunto. 

A Velocidade das Mudanças


Peter Cashmore é o fundador do Mashable Media Summit, um blog que trata somente de social media, cultura digital e tecnologia e é hoje o mais acessado da web nessa área.
Em uma palestra no final de 2011, Peter fala sobre as tendências na tecnologia, especialmente relacionadas à comunicação. A velocidade que as mudanças acontecem é impressionante. Peter fala do que já está em uso e faz algumas previsões para 2012, que podemos ter uma ideia se aconteceram ou não.

  #TOPTRENDS

Segundo ele, o touch foi a maior revolução. Os próximos anos serão voltados para desenvolver essa tecnologia, e os teclados e os mouses tendem a desaparecer. Lembrando um pouco de Steve Jobs no livro Cultura da Interface, podemos ver que em relação à necessidade de uma interface mais intuitiva e interativa o touch é uma das possibilidades mais agradáveis. Outra tendência é a personalização. Através das redes sociais, cria-se uma comunidade e o que determina também conteúdo. Haverá cada vez mais jornais e revistas inteligentes, que tentam tornar as publicações  personalizadas. As revistas se transformam, aos poucos, em aplicativos para dispositivos. Isso nos remete à  ideia de cultura de nicho, presente no livro A Cauda Longa, de Chris Anderson. Peter também fala sobre algo que chama de "gestos sociais". Se antes existia  um botão para compartilhar algo da internet, a tendência é você estar lendo algo e isso simplesmente ser compartilhado na sua página das redes sociais, especialmente o facebook. Aos poucos os sites se ligarão às redes e o tempo em que você estiver online, estará conectado. Também está em voga  a "experiência em uma segunda tela",  que vai ao encontro  da multitarefa,  um dos pilares para entender a sociedade contemporânea e as novas gerações. O líder nessa experiência é o "Disney Second Scren", um aplicativo que interrompe filmes como Bambi e Rei Leão para completar o conteúdo com atividades interativas de desenho, e apresentação de fotos exclusivas, entre outras estratégias que basicamente aprofundam o conhecimento ou a interação com o produto. Outra coisa importante destacada pelo palestrante é que a publicidade na web está se transformando em marketing de aplicativo. Os apps que envolvem filmes se tornam os mais baixados em pouco tempo, o que é uma estratégia de marketing mais eficiente do que simples anúncios online. Aos poucos as Apps Stores vão se tornar os melhores outdoors.

  2012: O que foi e o que não foi

 Sobre as tendências mais inovadoras Peter avisa "Essas são as mais legais, e eu gostaria que elas acontececem, mas provavelmente não vão se concretizar, pelo menos não em 2012." Uma das inovações que surgiram foram as empresas como a Netflix, que são distribuidoras de conteúdo, mas que na verdade não são donas dele. A tendência que Peter se refere é o que será delas.  Ao ver que a iniciativa deu certo as donas de conteúdo estão "dando pra trás" na hora de vender a programação. Seguindo a previsão de Peter de que algo teria que mudar, em fevereiro desse ano começaram rumores de que a Netflix iria começar a produzir conteúdo, após em setembro, suas ações caírem quase 8% porque não conseguiram renovar o contrato com uma grande produtora. A tendência mais empolgante entre as mencionadas pelo empresário são os "dispositivos flexíveis". São produtos semelhantes ao ipad e ao kindle, só que ultrafinos que se curvam, remetendo ao papel. A LG já começou a produzir e  eles chegarão ao mercado ainda esse ano. As previsões que não foram realizadas são a ITV, um possível lançamento da Apple. Uma televisão da marca, que agregaria tudo que está na chamada icloud, ou seja na nuvem de informação relacionada com seus outros dispositivos. Uma outra tendência  que não tomou forma é a conexão entre os aplicativos e os automóveis.

 _____ Por Gisele Motta

Bem longe do Hell


Hell é uma história de glamour e decadência. A atuação de Barbara Paz foi a melhor de sua carreira até agora, sem os exageros que essa afirmação costuma gerar. Até Hell, Barbara não tinha encenado nenhum papel de destaque e força. Perdendo-se como coadjuvante de novelas globais e reality shows, seu talento era inócuo. Mas com Hell a atriz se revela uma avassaladora. Como personagem, devasta homens, a burguesia parisiense e os bons modos. Como atriz, ela avassala as emoções da plateia.
A peça é baseada no livro “Hell Paris 75016” de Lolita Pille (2003). A escritora, então com 18 anos, conta de forma irônica e, às vezes, um tanto sádica, a vida dos jovens da alta sociedade de Paris, grupo do qual ela faz parte. “Eu sou uma putinha. Daquelas mais insuportáveis, da pior espécie; uma sacana do 16ème, o melhor bairro de Paris, e me visto melhor que sua mulher, ou sua mãe (…) meu credo: seja bela e consumista.’’ É com esse discurso que a autora começa sua publicação. Por mais que a futilidade estivesse em seu sangue, a autocrítica é o mais importante do livro. E da peça.
No palco, o cenário é um quarto, no qual a atriz troca de roupa compulsivamente, fazendo um monólogo sobre seu estilo de vida. Começando de forma calma e consistente, parece estar em um consultório contanto, desdenhosa, as pequenas neuroses da vida cotidiana para um psicanalista. A ira cresce à medida que temas mais fortes, como drogas e sexo, substituem as fofocas e as roupas de grife.
Em certo momento, com a maquiagem borrada e o cabelo desgrenhado, a atriz transforma um pranto, que poderia ser patético de tão fútil, em um verdadeiro apelo. A falta de perspectiva comove e a culpa se mistura com a indiferença numa garota cheia de dúvidas.
Um amor tão complicado quanto os sentimentos da protagonista aparece no meio da peça, quando você pensa que o monólogo filosófico seria o suficiente para levar a encenação até o fim. Uma das cenas mais bonitas ocorre entre o casal. Misturando dança contemporânea e um vestuário completamente bege, faz um verdadeiro balé deitado. Mas nada se compara ao final. O que poderia incluir tantos clichês de regeneração moral acaba tendo um desencadeamento mais do que inesperado, e ainda, satisfatório para aqueles que entenderam, de fato, o coração da personagem.


14 minutos e meio.



Oi, Olá.  Tudo hoje em dia é delimitado pelo tempo, não é? Pelo menos para mim. Eu tenho vinte minutos para almoçar. 50 minutos para entender tudo o que o professor está dizendo, tirar minhas dúvidas e discutir o texto. Tenho cinco minutos para escovar os dentes antes que a minha irmã entre no banheiro e me empurro da frente do espelho. E tenho, agora 12 minutos para terminar de escrever esse texto.
Bem, eu comecei com 15, mas tive que mudar o teclado de ‘’PT’’ para ‘’EN’’ porque a pontuação estava toda errada.  Agora gastei mais um minuto só para digitar essa frase, de tanto que o corretor automático trocou ‘’EN’’ por ‘’EM’’. Opa, aconteceu de novo. Enfim...
Bem, a falta de tempo é um saco. E não é um saco de Papai Noel cheio de brinquedos, não. Mas, as pessoas perdem muito tempo. Quem sou eu para dar lição de como arranjar tempo enquanto vejo reality shows e navego pela internet a esmo.
Mas sério, vamos ser sérios com o nosso tempo. Faltam 11 minutos.
Eu queria falar coisas lindas, escrever poesias maravilhosas, e se não fosse essa minha mania introdutória, talvez conseguisse.  Dez minutos.  Mas eu sou assim, dou voltas e voltas e voltas, para dizer o que eu não lembro mais, no final. Noveminutos.
Mas, enfim, o que é crônica? O que é? É uma narração que segue uma ordem temporal, e segundo muito de meus professores, devem ter um ‘’gancho’’, e ser atual.
A minha narração é extremamente delimitada pelo relógio, assim como o jeitão jornalista de ser que será o meu jeito de ser. Precisarei de 1 litro de café todos os dias, um maço de cigarro e claro, branquear os dentes. Precisarei também de uma secretaria, porque não consigo dar conta nem dos meus pensamentos, imagina da minha agenda.
6 minutos. Mas o que eu vou precisar mesmo, mesmo é de Ioga e massagem. Porque, olha, vou te dizer... Se estudar jornalismo tá criando nós nas minhas costas, imagina a profissão em sim. Mas é isso. Eu disse que tinha 15 minutos, porque chegarei atrasada no Ioga que comecei para relaxar.
Sim, chegar atrasada me estressa. Odeio me atrasar. Odeio quem se atrasa. Odeio o tempo, o relógio e tal. Mas odeio mais esperar. E todo mundo se atrasa, então tenho que me atrasar mais do que os outros para manter minha sanidade. Não é que eu queira me atrasar, mas o mundo me obriga. Eu nem demoro a me arrumar. Serio. Sou mulher, mas meu guarda-roupa é de um peão bronco. Só tenho coisas básicas.
Enfim, 4 minutos. E eu ainda tenho que escrever na crônica, algo de poético, para dar aquele ar intelectual. Não sabe o que é isso? Faz uma faculdade federal de Humanas, meu amigo. Se você não souber pelo menos umas 30 palavras com mais de cinco sílabas você é lanchinho. Se não curtir Roque (ou rock, como dizem os jovens), então. Graças a deus eu bebo e falo mal dos outros, assim não me torno uma completa excluída da sociedade acadêmica.
Dois minutos. Opa, um . Ah, que se foda. Quem tá contando? 

O segredo pode estar na próxima reunião



                                                       



   
Qualquer vício carrega preconceitos e julgamentos. Mas dentro da Sala, opiniões não são permitidas. Bem vinda a Mulheres que Amam Demais Anônimas.



“Quando um relacionamento é destrutivo ela é capaz de abandoná-lo sem experimentar uma depressão mutiladora”
Em uma sala pequena, sem janelas, cerca de dez cadeiras estão posicionadas formando um semicírculo. De frente para a porta, do outro lado do ambiente, está uma mesa coberta com uma toalha lilás. Em cima, há dois livros posicionados para os assentos, apoiados por um suporte, como em uma vitrine: “Mulheres que Amam Demais” e “Meditações Diárias para Mulheres que Amam Demais”, ambos da autora norte-americana Robin Norwood. Entre outros objetos como papéis, apostilas e cartões, há, no centro da bancada, próximo à borda, uma caixa de lencinhos de papel.
“Oi, meu nome é Ana*, eu sou uma Mada em recuperação e só por hoje estou coordenando essa reunião”. Sua apresentação é interrompida pelo tradicional coro “Oi, Ana”, entoado pelas dez mulheres que estão presentes. Nesse momento, todas as cadeiras estão ocupadas. Um grupo misto de senhoras e jovens presta uma atenção verdadeira, quase vidrada, no que aquela mulher tem a dizer. Loira, aparentando pouco
mais de quarenta anos, calças jeans justas escuras e uma blusa social, a mulher fala de forma tranquila e engajada sobre a importância do anonimato, enquanto lê um bloco de papel encadernado. “Lá fora, nós somos julgadas, discriminadas e incompreendidas. Aqui dentro, abrimos nossos corações. Por isso, se eu passar na rua, e não te cumprimentar, não fique com raiva de mim. É uma escolha minha de preservar minha identidade lá fora”. Todo o discurso inicial está escrito numa apostila, que serve como guia das reuniões.
O grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada) se define como uma Irmandade que oferece apoio mútuo para aquelas que estão envolvidas em relacionamentos destrutivos. Através de táticas provindas do primeiro grupo desse tipo, os Alcoólicos Anônimos, elas usam os “instrumentos de recuperação”, como o anonimato, o “amadrinhamento”, a literatura, os serviços e as reuniões para se livrar de sua adição, o amor excessivo. O grupo foi criado a partir do livro de 1985 de Robin Norwood, uma terapeuta familiar que intitulou as mulheres aditas em ser parceiros dessa forma. No final da publicação ela sugere abrir Irmandades para dar apoio àquelas que amam demais. O Brasil conta com 45 grupos. Entre todos os Estados e capitais, o Rio de Janeiro é a que conta com mais reuniões. São dez espalhadas pelas quatro zonas da cidade.
Após se apresentar, a coordenadora pergunta se há alguém participando da reunião pela primeira. As cadeiras rangem. Duas mulheres levantam as mãos timidamente. Uma tem por volta de 25 anos, negra, com o cabelo no estilo “blackpower”, usando uma tiara. A outra é de meia idade, se integrando visualmente melhor ao resto do grupo. Camisa polo e óculos da moda, a senhora usa o cabelo alisado e tingido de loiro. “Hoje, vocês são as pessoas mais importantes dessa sala”, comunica Ana, voltando-se diretamente para elas. “Entrar por essa porta foi um milagre, permanecer é só trabalho”. Esses dois lemas, que servem como frases rápidas de apoio e contenção são frequentemente repetidas assim como “Hoje é um dia que não volta mais”. As expressões “só por hoje”, “Irmandade”, “companheiras” e “Poder Superior” também são típicas do grupo.
Após a leitura de uma das doze tradições, que refletem sobre os relacionamentos, o grupo é aberto para comentários sobre o texto e depois para depoimentos. Nesse momento, a sala já recebeu mais umas cinco pessoas. Elas foram acomodadas em novas cadeiras, trazidas pelas Madas mais antigas que, já acostumadas com a dinâmica, saíam da sala em silêncio para pegar assentos em outras dependências da Igreja na qual as reuniões são realizadas.
Ana é uma Mada há quase cinco anos, sem que seus conhecidos saibam. Ela chegou meia hora antes da reunião, para arrumar a sala. Ela está no serviço de coordenadora, assim como existem os de tesoureira e secretária. Todo o serviço é voluntário e não há hierarquia. Enquanto faz café, ajeita os livros e carrega cadeiras, conta porque o grupo se torna tão especial para aqueles que o frequentam. Segundo ela, a parte mais importante é o depoimento. “Sem estar na Sala, o Mada não funciona. Você pode ler todos os livros, saber todos os princípios, mas o que vai fazer diferença são os
depoimentos, que funcionam como espelhos. Essa irmandade é um presente porque você vê como outras pessoas saíram de suas crises e lidaram com os problemas. Na terapia, você está sozinho. O analista não vai te dizer como agir. Aqui é tudo mais objetivo, você começa a ficar o tempo todo atenta para não reproduzir o que foi dito nas reuniões”.
“Ela aceita os outros como são, sem tentar modificá-los para satisfazer suas necessidades”
Em uma sala num prédio há apenas duas ruas de distância de onde os encontros do Grupo acontecem, localiza-se o Centro Médico Leblon. É nele que o psicólogo Sócrates Nolasco recebe seus pacientes. Numa sala típica para as sessões, com sofás confortáveis e um divã, ele senta-se na poltrona de maneira displicente e fala sobre o assunto de forma pausada e pensativa. Para o terapeuta, as reuniões tem uma importância capital no tratamento de pessoas adictas por três razões: “Esses grupos funcionam inicialmente como uma forma de contenção daquilo que o sujeito não consegue barrar nele mesmo e se transforma num tipo de adição. Ao ver que outras pessoas sofrem com coisas semelhantes, ele vai tirando a estigmatizarão da história”, explica Sócrates. Formado em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica e com doutorado na mesma, ele diz que atende algumas mulheres que participam do grupo. “Essas pessoas sabem de seu vício e começam a se achar as piores criaturas do mundo. Além dessa desmistificação, as mulheres conseguem encontrar pessoas que fizeram aquilo que elas estão se propondo a conseguir com elas mesmas: melhorar. O outro aspecto é a estrutura grupalizada em si. Quando as pessoas falam de seus parceiros o tempo todo acabam saturando seus relacionamentos. Pessoas adictas costumam arrebentar seus vínculos, então isso acaba criando um aspecto de solidão que piora ainda mais a situação”.
Para Sócrátes, o Mada ajuda. Até certo ponto. “O que um analista faz é dar uma significação às razoes pelas quais há esse desejo que não consegue ser reprimido, e de
que modo elas podem atuar sobre o próprio desejo, no sentido de poder conduzi-los em direções melhores e mais positivas, como se fosse num mergulho. O Mada não vai fazer isso. Ele vai até um determinado ponto, que é exatamente aquele que cada um tem que ver sozinho, a razão pela qual se colocou naquela situação”.




A sala está apinhada de gente, duas pessoas seguem sentadas no chão. “Agora que nós comentamos a primeira tradição, a reunião está aberta para depoimentos. Aquelas que quiserem compartilhar levantem as mãos que eu vou anotar os nomes”. Várias pessoas erguem os braços. No Mada, não é permitido dar conselhos ou comentar o depoimento das outras companheiras. Elas são apenas espelhos umas das outras. Não querem ser julgadas nem por aquelas com quem compartilham tanto. Cada pessoa tem cinco minutos para falar. Duas plaquinhas se levantam repetidamente durante toda a noite “Você tem 2 minutos” e “Tempo encerrado”.
A atmosfera do Mada depende muito dos depoimentos. Algumas vezes os assuntos são extremamente tocantes, e passam pelas mais diferentes situações, como abuso sexual, violência doméstica, tentativas de suicídio e envolvimento com drogas. Outras vezes, as sessões se parecem mais com o imaginário popular que se tem do Mada, com mulheres contando histórias que beiram à comicidade, onde perseguem seus homens de táxi pelas ruas do Rio, procurando-os onde eles disseram que iam estar. E normalmente não os encontrando. O que seria uma situação triste, tanto pelo sentimento de traição quanto pela recaída em ter atitudes contra as quais se luta, acaba rendendo algumas gargalhadas.
São 20h. Um intervalo deveria ser feito, onde as Madas conversam livremente pela sala, tomando café e comendo biscoito. Toda a estrutura do grupo é bem desenhada. Quando alguém chega atrasado, entra em silêncio, sem falar com as outras. Conversas paralelas quase não acontecem. O intervalo, porém, foi suspenso. “Devido a quantidade de pessoas para compartilhar sugiro não fazermos o intervalo. Quem quiser se servir, pode se levantar durante a reunião. Levantem a mão as que aprovam”. A maioria aprova. O grupo segue com as apostilas.
Depois de arrumar a sala para a reunião, esperando as companheiras chegar, Ana define as interpretações do que é amar demais, como bizarras. “Nós não somos malucas, nem somos aquela mulher retratada pelo Manoel Carlos, que chamamos de Helôlouca. Nós estamos aqui porque precisamos de ajuda, estamos tentando uma recuperação de uma adição. A gente parte do princípio que não viemos para cá por acaso, mas somos praticamente todas oriundas de um lar disfuncional”.
Na sala, um papel plastificado com as “10 características de uma mulher que se recuperou de amar demais”, circula. O número 8 diz “Quando um relacionamento é destrutivo ela é capaz de abandoná-lo sem experimentar uma depressão mutiladora”. Conseguir identificar um vínculo ruim e mesmo assim continuar nele é a premissa para aqueles que vem procurar ajuda. Esse vínculo, para Sócrates Nolasco, é o que define a dependência. O objeto é variável entre drogas, álcool ou outra pessoa.
“A conexão é sempre via emocional, o objeto que vai variar. A adição se caracteriza por ser um tipo de vínculo em que o objeto de adição vai manter o adicto o em um mundo de fantasia e é como se ele desejasse transformá-lo em realidade. Por isso o “amar demais” é quase uma relação mágica. É como se o adicto pensasse ‘eu vou amar tanto, mas tanto que um dia vou transformar essa pessoa naquilo que eu desejo’”.
A grande sacada é perceber quando um relacionamento se torna destrutivo. Essa é a segunda característica daquela mulher que se recuperou, e um conceito psicológico básico “Ela aceita os outros como são, sem tentar modificá-los para satisfazer suas necessidades”.
“O destrutivo olha para a parceira ou parceiro não sendo aquele ou aquela que eles são, mas aquele ou aquela que eles gostariam que eles fossem. Esses ‘gostaria que fossem” vai ser cada vez mais alimentado por uma dedicação e disponibilidade para o amor sem limite. O objetivo disso é a cura, uma salvação. “Como se aquela pessoa projetada pudesse curar o adicto do que lhe faltou” comenta Sócrates.
Mas o que é isso que faltou? O psicólogo explica que, o que mais diferencia o Mada de um tratamento com terapeuta é que o segundo trata essa adição como algo não só voltado para os relacionamentos sexo-afetivos, mas numa proporção mais ampla, que está diretamente relacionada com o passado do indivíduo. Embora o ciúme seja a principal palavra relacionada ao Mada no ideário popular, é só participar de uma reunião para reconhecer que a principal questão é carência afetiva.
“O que vai produzir a adição, se formos considerar uma perspectiva de desenvolvimento do vínculo afetivo, vai ter relação com as pessoas que vão funcionar como cuidadoras no começo da vida. Um bebê quando nasce não tem a capacidade de garantir sua segurança e proteção e precisa de alguém, normalmente o pai e a mãe. Esses cuidados vão fazer com que esses bebês tentem trazer essas pessoas para dentro deles, porque elas são necessárias. Como essa ‘operação’ não é possível, a saída é se vincular a essas pessoas que cuidam. Quando algo falta nessa relação, essa “falta” pode levar a um baixo grau de ansiedade ou de angustia, viabilizando a situação e uma possível resolução do problema; ou a falta pode causar muita angustia, por se instalar em momentos primitivos ou viscerais na vida de cada um, gerando no sujeito desamparo e abandono, influenciando que ele, posteriormente, lance mão de uma adição”.
Do lado de fora da Igrejinha, o tempo começa a virar. A noite de verão vai recebendo uma chuva fina. Dentro da Sala, as luzes artificiais impedem essa percepção, mas as mulheres vieram preparadas. Várias sombrinhas se amontoam em um canto da sala. A Sétima tradição é apresentada. Nela se explica que o Mada é um grupo independente, e por isso precisa de recursos. Uma cestinha lilás, como o resto da decoração da sala, é passada e as mulheres depositam algum dinheiro. “As que veem pela primeira vez, devem se abster”, continua Ana.
“Agora aquelas que vieram pela primeira vez podem dizer seus nomes, como chegaram e compartilhar o que quiserem”. A senhora de óculos e camisa polo decidiu falar. Ela
explicou, entre risos sem graça após seu nome ser repetido por todas, que estava feliz de ver que não era a única sentindo que tinha um buraco enorme no peito, referindo-se à história da mulher do táxi. Aí se apresentou a primeira experiência de espelho dessa mulher. Se reconhecer no outro, e a partir desse momento ter algum tipo de apoio.
A reunião está quase acabando. Ana pede que as novas participantes voltem para mais cinco reuniões, completando a quantidade de seis. Esse é o número estipulado pela literatura da criadora do grupo, Robin, para que as mulheres se deem a chance de saber se pertencem ao grupo ou não. São entregues fitinhas brancas para as novatas, que representa a ida ao grupo para procurar ajuda: o primeiro passo. Assim como as fichas dos Alcoólicos Anônimos, elas utilizam a oração da serenidade, o abraço coletivo e a ideia da ausência de cura eterna, mas da contenção diária. Ao sair da sala, você já pode se considerar uma Mada, e em qualquer outra reunião que participar, não será mais sua primeira vez. “Você pode não ter ouvido o que precisava hoje. Mas o segredo está na próxima reunião”.
As mulheres terminam o encontro com uma oração na qual são instruídas a olharem uma nos olhos das outras, de mãos dadas. As cadeiras voltam aos seus lugares, algumas trocam cartões e telefones, outras vão cumprimentar as desconhecidas, se apresentando. Todas, sem exceção, parecem satisfeitas. Só por hoje.
*O nome da coordenadora da sessão foi trocado para preservar sua identidade.

A Baiana da Noitada


Da Bahia para o Rio, uma aventureira que sempre teve como companhia a música

Fui recebida com um sotaque carregado. Mais de 30 anos depois de chegar ao Rio, Cély Leal ainda tem a fala mansa baiana. “Venha, pode entrando, minha linda”. Simpática desde o abrir da porta, ela me recebe para falarmos sobre seu documentário lançado em 2010, Noitadas de Samba – Foco de resistência. O apartamento é amplo e colorido, com gravuras penduradas nas paredes e sofás confortáveis com almofadas. Até o ar parece ser baiano e o tempo corre mais lento no ambiente. Cély, sentada em frente a uma mesa de vidro e próxima ao computador, dispensa um cigarro no cinzeiro, que já contém várias guimbas. Acende outro e, enquanto traga e a fumaça sai serelepe de seus lábios, conta sua história e as histórias por trás do evento marcante para o samba e para sua própria vida.
As Noitadas de Samba foram realizadas por treze anos, todas as segundas feiras no Teatro Opinião, em Copacabana, na galeria conhecida como Shopping dos Antiquários. O evento foi uma iniciativa de Jorge Coutinho e Leonides Bayer e trouxeram, pela primeira vez o samba para a Zona Sul do Rio. Diversos cantores foram descobertos no Teatro, assim como gravaram seus primeiros discos e saíram do país graças a divulgação que ali ocorria. Além da disseminação do samba, era um reduto de liberais e artistas e virou um local daqueles que lutavam a duras penas contra a ditadura militar. Foi também no local que Cély começou sua carreira no Rio de Janeiro.
A primeira vez que Cély ouviu falar das Noitadas, ela não poderia imaginar que iria se juntar ao grupo. Em 1971, ainda em Salvador, estudante de jornalismo da Federal da Bahia, ela ouviu de amigos que o evento era a cara dela. Uma mistura, um alegria, uma chama nascendo. Em uma viagem para o Rio, no ano seguinte, é apresentada a Bayer. Este se diz produtor e quer levar um evento a Salvador para qual a jovem jornalista, que trabalhava no momento no Tribuna da Bahia, se disponibiliza para ajudar. “Anotei todos os meus contatos num guardanapo e entreguei a ele”, conta ela rindo.
Nessa época, Cély estava sempre no Rio, mas ainda não tinha conseguido ver um espetáculo. As Noitadas já tinham se tornado ponto obrigatório dos interessados em cultura. Era quase um ponto turístico como outros tantos na cidade. Em Salvador, colaborou com a produção de Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos.
Até que em 1978 e ela veio morar no Rio de Janeiro. A explicação para mudança drástica de vida me pega de surpresa. É aquela que todo jovem já pensou um dia. Uma mudança radical, uma guinada. Um “Sei lá” bem grande. “Não vim fazer nada específico. Vim viver um pouco aqui, sabe?”. Desembarcando à capital cultural do país, ela fica hospedada com Pereira dos Santos e tem contato com o João das Nevez, diretor do Teatro. Ali começa uma amizade e uma parceria, que vai resultar em anos de Noitada de Samba.
Chegou, finalmente a primeira vez de Cély no Teatro Opinião. Era um show da Dona Ivone de Lara e ela foi como acompanhante de um amigo que ganhara o ingresso. Ela conta da confusão, da multidão, da alegria das pessoas, todos com seus copos na mão. A partir daí, ela não parou mais de frequentar o local. “Trabalhei na bilheteria, na administração, fazia de tudo um pouco. Então nessa época mesmo eu tive o desejo de fazer um registro. Mas era com a intenção de levar para as pessoas da minha cidade verem, porque eu achava tudo incrível. Queria mostrar e dizer 'olha que coisa linda que eu estou vendo no Rio de Janeiro'”.
E era lindo. Ao assistir o DVD, as imagens não negam a harmonia que havia entre os artistas. No livro autografado, ela diz “Gisele, você vai conhecer uma história fascinante e poder contar aos outros. Sucesso! Beijos e Axé”. Bem, eu conheci. A do samba e a dela.
Olhando as fotos do livro sobre a mesa, Cély fala de uma forma apaixonada sobre esses tempos. A alegria da baiana é presente em todo canto. Ao pedir uma foto, ela passa algumas em seu computador. Para em uma e fala. “Quero te dar essa aqui. Essa aqui sou eu”. Na foto ela sorri sem pudor, divertida.
Cély esteve desde criança em contato com a música. No Bairro de Brotas, uma vizinhança afastada do centro. Seu pai, um violeiro, colocou um serviço de autofalante no bairro, para democratizar a música que ouviam em casa. O pai tinha relações com artistas e políticos da região o que fazia a casa, um recinto de festas. A mãe tinha uma bela voz e fazia as tarefas da casa sempre cantando. Ficava ainda criança, colocando os discos na vitrola e encantada por estar fornecendo diversão ao bairro. Quando trabalhava no Teatro, quiseram que ela fosse cantora. “Eu olha que eu quase aceitei...”
O projeto do documentário demorou mais de dez anos para ser de fato produzido. “Corri muito atrás, mas as empresas não estavam interessadas em patrocinar. Até que a Petrobrás soube através de uma matéria publicada, e eles entraram em contato comigo e me patrocinaram. Isso foi em 2007”, comenta Cély. De lá para 2010, o filme que seria um curta metragem com um folheto, se transformou num longa com mais de uma hora e um livro de 100 páginas, recheado de fotos. O evento que percorreu metade da vida profissional da jornalista ganhou vida para as novas gerações.
Estão no documentário grandes nomes da MPB e do samba, que participaram desse movimento. Dona Ivone Lara, Alcione, Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Xangô da Mangueira,Martinho da Vila e mais algumas dezenas de artistas que trazem seus depoimentos para reproduzir o ideário das noites que duraram 13 anos, estão presentes. “Durante as entrevistas, o que mais me emocionou foi a fala do Xangô da Mangueira, porque ele estava muito doente e eu percebi que estávamos perdendo um grande baloarte. Todo o processo foi muito emocionante, porque todos foram muito receptivos, dizendo que era uma maravilha, que essa história não podia morrer”, conta.                     

Quando perguntada sobre o samba hoje, Cély para um momento para refletir. Depois de uma pausa e um suspiro que poderia soar como de decepção, ela retoma vivaz “O samba graças a deus está aí”. Ela comenta que a juventude está curtindo e que tem muita coisa boa. Mas como toda coisa que cresce muito, tem o que é bom e o que não é. Ela não diz isso com pesar, mas com naturalidade. E reafirma que o samba hoje deve muito ao evento que tanto amou.
No ápice na década 70, uma geração inteira cantava a esperança da liberdade tão presente na música e no samba do Teatro Opinião. O documentário reflete a vida dessa mulher, e narra um pouco da história de alegria e luta da qual ela participou e se esforçou tanto para compartilhar. 

Narração cena a cena – Um beijo roubado



O bar tinha um aspecto desgastado, sujo. Os clientes se aglutinavam no balcão, pedindo alto por bebidas com nomes estranhos, as vozes se confundiam num pedido só de álcool. Era exaustivo. Mas extremamente útil para os problemas de insônia. E Lizze que atendia esses clientes insaciáveis. Sua manhã era igualmente cansativa, trabalhando como garçonete em um restaurante.
Um homem estava no bar, há horas. Um tipo magro, carrancudo, que permanecia em silêncio e com a cabeça baixa na maior parte do tempo. A conversa e a pretensa alegria do lugar – a alegria decadente das pessoas já tortas – não o afetaram, e ele continuou quase imóvel durante todo o tempo.
-Ah, você está falando de Arnie, querida? Não se preocupe com ele, Lizzie, Provavelmente perdeu a noção de tempo novamente. Se você precisa ir embora, leve a conta que ele assina.
Uma música antiga e cafona toca ao fundo, e o bar está completamente vazio. Arnie levanta a cabeça lentamente e encara a garçonete desorientado e surpreso, quando ela se aproxima. Uma aliança grossa esmaga seus dedos.  Ela empurra a conta para ele, ele pede uma caneta e assina.
“Eu não te reconheço. Você é nova por aqui?”
“Sim, comecei há algumas noites.”
Arnie a olha curioso. Pergunta seu nome e diz que não irá aparecer mais por ali. Essa é a sua última noite de bebedeira. Despede-se incerto, depois de deixar a gorjeta e prometer um cheque para o dono do bar.
Um policial uniformizado caminha pela via ensolarada. Entra no restaurante do final da rua. Armas, algemas, rádio transmissor, tudo pendurado no cinto. Arnie vira-se e cumprimenta a garçonete atrás do balcão. Dá um sorriso.
 “Você tem uma irmã gêmea?”
“Não”, responde Lizzie. “Bem que eu queria”
“Sério? Estou feliz por não ter um irmão gêmeo. Basta um de mim.”
Arnie olha constrangido, quase pedindo desculpas por perturbá-la. Pede uma salada e frango. Empanado.
“Por que trabalha tanto?”
“Estou economizando para um carro.”
Lizzie não sabe aonde quer ir, não tem nenhum destino específico em mente. Ir a vários lugares, até não ter mais lugar nenhum para ir. Ele acena em concordância. Parece saber o que ela quer dizer. Gorjeta.
À noite, Arnie está novamente no bar. No mesmo lugar, ainda de cabeça baixa, mas cumprimenta Lizzie. Celebrando sua última noite de bebedeira. Novamente. Uma mulher atravessa o bar, de vestido preto e andar decidido. Arnie parece surpreso. Ela o ignora e passa por ele até Travis, o Dino do local, que percebe sua presença com um ar de reprovação.
“Travis, como vai?”
“Sempre um prazer, Sue Lynne”
“Sempre me diz isso e ainda não sei o que quer dizer. Só vim usar o banheiro.”
Ele faz um gesto com a mão, mostrando que a passagem para ela está livre.  Ela passa por ele satisfeita, enquanto Arnie abaixa mais a cabeça, no seu lugar. Ele a confronta, quando ela passa por ele. Ela o ignora. Do lado de fora, na rua escura, um carro estacionado comporta um cowboy. Um homem jovem de jeans e chapéu. Sue Lynne o abraça e o beija.
No balcão, fichas caem na madeira. Chegam a uma dezena. Brancas e coloridas. Caíram das mãos de Arnie. Ele encara Lizzie com um olhar triste.
“Se eu já pensei em parar?” repete ele. “No grupo aonde eu vou algumas vezes, eles tem esse sistema. Depois de uma reunião, eles te dão uma ficha branca, que simboliza suas intenções de ficar sóbrio. Mas, quando você falha,você pega uma colorida.”
Ele encara decepcionado o colorido da mesa. Sua mão sobe até o rosto, num gesto próximo ao desespero. Mas ele está só triste.
“Eu sou o rei das fichas brancas”
Ele se levanta desequilibrado, e a porta bate.
Arcade Restaurante. Lizzie escreve pensativa, enquanto formigas caminham pelos restos de torta.
“Escrevendo para o namorado?”, pergunta Arnie, enquanto se aproxima.
“Para um amigo”
“Por que não usar o telefone?”
“Algumas coisas são melhores quando escritas”
No balcão do bar, Arnie se esforça para escrever algo.  Um copo se estende na sua frente. Uma carta para a esposa pode mudar as coisas, ele diz. O cowboy entra no bar, enquanto Arnie amassa o papel. Ele avança em cima do rapaz. O cowboy cai, mas Arnie continua batendo, de pé. Chutes. Taco de sinuca. Pessoas gritam, o bar está vermelho, tudo está borrado. Lizzie encara a cena confusa. Travis corre para segurá-lo. Seu corpo robusto não é o suficiente para conter a raiva do policial embriagado. Uma ambulância chega, o cowboy sai carregado.
Uma mesa cheia – entupida –de papeis suporta um telefone antigo. O telefone está na mão de um jovem que age de forma desnorteada e desesperada. Ele não ouve bem, tem muito barulho do outro lado da linha. A pessoa também não entende direito. Ele tapa o ouvido com o dedo, para ouvir melhor, repete várias vezes a mesma coisa. Mas ninguém sabe de nenhuma Elizabeth. Ninguém ouviu falar dela naquele bar, ela não trabalha lá. Não é aquele Menphis Bar and Grill que ela trabalha. Deve ter uns 19 na lista. Outra ligação. Elizabeth atende. O homem se empolga, agradece pelo cartão, diz que achou ótimo ela se lembrar dele, diz que teve que ligar para mais de 10 Menphis Bar and Grill - haha. Mas não é a Elizabeth certa. Ele se desculpa. Desculpas, obrigada por ouvir.
Sue Lynne entra no bar, desesperada. Insana. Ele realmente podia ter matado o cowboy. Arnie tenta fazer a discussão acabar em um abraço. Sue quer ir, só quer ser livre. Eles não estão mais casados! Não estão. Mas Arnie não entende. Ela caminha para a porta, ele saca a arma. Vai matá-la se ela sair. Ela não liga. Está acabado. A porta bate. Ele não se move. Não atira.  A música deixa de ser cafona e passa a ser triste, só triste. Arnie deixa uma gorjeta alta demais e a porta bate. Mai uma vez.
Um carro chocado contra o poste. Policiais falando em rádios, muitos policiais. E a chuva caindo em cima de tudo.
Sue Lynne está no bar, de cabeça baixa. É a primeira bebida dela em seis anos.
“Vamos beber em homenagem ao Arnie!”
Ninguém responde. Ela continua bebendo. Seu rosto quase encosta no balcão. Quanfo finalmente encosta, ela fecha os olhos.  Lizzie entrega uma conta para ela, a do Arnie. Travis mandou. Ela deveria pagar.
“Isso é a conta do Arnie, Travis! Não minha! Ele está morto! Se você quer dinheiro, fale com o advogado,não comigo! Eu te odeio, Travis!”
Descontrole. Tristeza. Vá atrás dela e faça-a chegar bem em casa, é o que Travis quer. Lizzie segue Sue Lynne até a rua. A história deles termina onde começou. Onde ele morreu, foi onde ele a conheceu. Onde a parou, com sua viatura. Onde se apaixonou. Ela só queria ser deixada em paz. Agora sente a maior dor do mundo. Ele sentia a maior dor do mundo, e ninguém sabe se está em paz.  

segunda-feira, 18 de março de 2013

Dia Nacional da Poesia





Desculpa se parei de escrever vocês.
Acho que pensei menos e senti mais nos últimos anos.
Senti tanto que não consegui mais conversar com o papel.
Nunca o larguei, no entanto. 
Marquei com lágrima, beijei com carinho, amassei de raiva.
Mas nada de caligrafia caprichada nas folhas pautadas.
Escrevi muitos bilhetes rápidos que continham mais sentimento do que jamais consegui com vocês.
Escrevi, com uma dedicação obcecada que nunca foi-lhes dedicada, sobre assuntos de ordem prática, burocráticos até.
Nunca fui uma boa aluna.
Decepcionei, até quando tentava, todas as rimas.
Sinto que abrir velhos cadernos é violar alguém que não sou eu.
Vocês agora ficam guardada em rascunhos lépidos de e-mail.
Nem mais um verso metrificado, nem mais uma tentativa de elaborar.
Mas você também errou.
Me fez achar que o mundo era uma coisa, e não era.
As vezes senti que tudo que aprendi com você foi mentira. 
Que o mundo é muito mais cru e que rimar é uma coisa besta.
Que sentimentos são mais verdadeiros no papel.
Mas sossegue!
Um dia a gente se esbarra.
E não vai ser com essa linguagem vulgar, esse barulho de teclado irritante e esse cursor que vai e volta.
Vou pegar o lápis e o papel amarelado.
E você nunca vai lembrar que estivemos separadas.
Porque, na verdade, você sempre esteve na minha mente. 
No meu corpo, na minha esperança, na minha entrega.
Eu sou você. 

Esquina





A esquina iria separar os dois. Juntos, de mãos dadas, caminhavam na mesma direção e também na mesma cadência. Ele chegava a andar torto, trôpego, tamanha era a fascinação pelo rosto dela. Seus olhos castanhos e grandes, seu cabelo curto, suas sardas claras. Poético. Ele seguia para frente, em frente, mas olhando para ela. E sorria.
Ela encarava o chão. Distraída, talvez. Mas sua mão apertava a dele e seus olhos se encontravam com ternura. Passaram pela banca de jornal, pelo sinal e chegaram a esquina. Dura, fria. Mas ele não a enxergava, só olhando para o lado. Quando ela parou suavemente, ele deu um tranco. Sobressaltou-se e reparou seu movimento, ou a parada dos movimentos. Seu sorriso quase desapareceu, mas restou um ínfimo. Ele ainda estava feliz por ter tido ela por tanto tempo, por toda a noite.
Ela estava desolada, não sabia como seria todo aquele tempo sem ele, que por sua vez, mantinha-se calmo para ela. Seus corpos se encontraram calmamente, ela passou a mão por seus cabelos negros e ele a envolveu com seus braços. Os rostos se aproximaram, e ela se sentiu o cheio e menta do seu hálito, sorrindo abertamente antes de beijá-lo. O beijo durou alguns segundos, ninguém parou para observar, o mundo não girou, só o sol da manhã era espectador. E era assim que eles queriam
-Tchau, amo você. - disse a jovem baixinho com um pesar absoluto na voz. Ele fechou os olhos ao ouvir as palavras, concordando com a cabeça e esfregando o rosto em seu pescoço, como se para sentir seu cheiro e o cabelo ainda molhado. Beijou a mão dela e ficou parado, observando ela partir. Sua luz desapareceu, mas ele aceitou.
Por um instante, achou que ela fosse parar no meio do caminho. A viu dando a volta, correndo e o abraçando, talvez quase o derrubando. Mas ela seguiu decidida, sem olhar para trás. Deu uma corridinha e entrou no metrô para ir trabalhar.